Não sei quanto tempo passou, mas foi o suficiente para ficar com o corpo
congelado. Arrasto-me, literalmente, para fora daquela poça de água. Vou para
aquela luz, branca como a neve. É
a lua. Tão linda. Tão pura. Sinto os membros doridos da queda. Apesar da areia ali ser fina, não deixa de ser bastante incómoda.
Fico a fitar a lua. De que estou à espera? Que ela me seque? Talvez seja isso. Mas a lua não faz isso. Ela é uma
ouvinte. Aquecer é trabalho do sol. A lua é uma protetora, que nos vigia o sono e protege os segredos. Ela escuta-nos, com paciência, enquanto choramos por um pesadelo. Quando temos insónias, é a nossa amiga que nos acompanha, noite fora, ao nosso lado.
Deixo-me ficar ali, sem querer
saber de mais nada. Com o passar do tempo, a lua começa a mudar de sítio e a
gruta deixa de ser tão iluminada. Decido começar a andar, ir ver que mais tem
aquele pequeno paraíso para me oferecer. Tento andar com calma, para não voltar a cair. O chão por debaixo dos meus pés começa
a transformar-se num monte de rochas, novamente. Tenho o triplo do cuidado para não
escorregar. Enquanto ando, reparo que continua a existir vários buracos
no teto da gruta. Por isso, esta nunca fica às escuras. Decido quebrar o silêncio.
- Olá?
Olá, olá, olá, olá. O eco
permite-me entender que é grande.
Paro, a meio do caminho. E se aqui vivem sem abrigos? É bem possível. Não me agrada a ideia de ver pessoas neste momento. A gruta é um pouco fria, sem dúvida, mas é alheia a olhos curiosos (a maioria). O único problema é o difícil acesso, mas talvez isso não fosse de grandes dificuldades para eles. Pensa. Já alguma vez vistes sem-abrigos na zona? Não, nunca. E vivo aqui desde que nasci, por isso...
Ponho esta ideia de parte e continuo a caminhar. Vejo pequenos lagartos a
passearem-se pelas paredes de rocha. Eles não me assustam. Nada mesmo. E como eu também nas os assusto, continuamos os nossos caminhos.
Chego a um lugar ainda mais iluminado. É magnífico. É como a orla de uma
floresta, mas numa gruta. Ao descer o último rochedo, só há areia. Amarela, fina, reluzente à luz da lua. Lindo.
Reparo que há uma lagoa, à minha frente. E reparo também que a água provém de uma
pequena entrada, lá mais ao fundo. Algo me diz que já estou em oceano puro.
Sinto uma enorme vontade de mergulhar, de entrar naquelas águas. Dispo-me, ficando só
em roupa interior. Ninguém vem aqui, de certeza. Deixo a roupa na areia e ando para aquele enorme lago, mergulhando. Estou em casa. Nado, boio. Exploro
aquele pequeno paraíso. É fácil perder o pé ali. Quando entro, fico com a água pela coxa, dou uns passos e a profundidade já é enorme. No fundo, há corais, e são tão belos.
Estou tão bem, que nem me dou conta do tempo a passar. Tenho que ir
embora. Já é tarde, ou pelo menos, acho que já é tarde. Saio de dentro de água e visto-me. Sinto a roupa a colar-se ao corpo.
Odeio a sensação, mas não há hipótese. Calço-me e começo a andar por onde vim.
Movo-me com cuidado, agora com o corpo molhado é ainda mais difícil não cair.
Os meus músculos estão rijos. Estou cansada, tão cansada. As rochas estão-me a falhar por debaixo dos pés. Desloco-me para uma das paredes e tento apoiar-me nela. Mal pouso a mão, sinto o algo por debaixo da palma. Com o susto, tiro-a de rompante, o que me faz perder o equilíbrio.
- Ahhhh.
Tento agarrar-me outra vez à parede, mas a mão só raspa nela, fazendo-me gritar de dor. Não consigo recuperar o equilíbrio. Caio e sinto as rochas por debaixo de mim. Dói-me a cabeça, os joelhos. Estou de calções porra. Sinto a garganta seca. Tento-me mexer, mas não consigo. Estou tão tonta, fraca. Ninguém
sabe que eu estou aqui. Absolutamente ninguém. E ninguém no seu juízo perfeito
se lembraria de me vir procurar aqui. Vou morrer. Só pode. E com o pânico
dentro de mim, desmaio.