sábado, 19 de outubro de 2013

2*

Chegou a casa que, como mal passava das 11 horas, estava vazia. Era constituída por uma sala de jantar, uma sala de estar, uma cozinha e uma casa de banho no andar debaixo e no de cima, ficavam os quartos. O dele ficava no sótão. Tinha apenas alguns móveis velhos e comidos pelo tempo: uma cama, uma armário e algumas estantes. Ao contrário do resto da casa, esta divisão era suja e caótica. Havia todo o tipo de coisas espalhadas pelo chão e eram poucos os dias em que se dava ao trabalho de fazer a cama. Deixou a mala num canto, pôs o ipod a carregar e decidiu aproveitar o raro silêncio que ecoava na enorme moradia devorando mais uns capítulos do livro que iniciara à poucos dias. 
Adorava ler. Era a sua escapatória do dia-a-dia, da realidade que o consumia e nunca se cansava de o fazer. Adorava passar serões agarrado a um livro. Adorava a sensação de fazer parte da história e vivia-a quase tanto como a viviam as personagens. Deixava-se levar pelo enredo, pelas emoções descritas ao longo das páginas. Os livros davam-lhe uma nova perspectiva do mundo em que vivia, quer fosse ela positiva ou negativa. Para ele, isso era mais do que qualquer outra coisa que alguma vez lhe tinham dado.
Só parou quando já estava demasiado escuro para conseguir distinguir fosse o que fosse e por isso deixou o livro e decidiu ir ouvir um pouco de música. Não havia luz no sótão e também ninguém achou necessário haver. Tanto se lhe dava, o escuro não lhe metia medo, pelo contrário, fazia-o sentir-se bem e para além disso, já estava habituado. Deitou-se na cama e deixou que a mente passeasse por onde queria ir até chegar a várias memórias que não queria recordar mas que agora não conseguia evitar. Eram tantas, e vinham sem qualquer aviso.
Acabou por adormecer e só acordou passado um pouco, quando ouviu a porta de baixo a bater e, de seguida, gritos. Instintivamente sentou-se, a tremer, e o coração começou a bater com a um ritmo alucinante. Escutou com mais atenção e ouviu o andar pesado de alguém que atravessava a entrada.
Tem calma, não deve ser nada, não vai acontecer nada. 
Mas mesmo assim não conseguia acalmar-se. A respiração começou a alterar-se e quando notou já estava a ofegar. Esforçou-se por não chorar, não queria parecer fraco, mas não conseguia, nada no corpo lhe obedecia e acabou por sentir as lágrimas a molharem-lhe as bochechas.
- Onde é que está aquele fedelho?
Sentiu-se paralisar pelo medo. Não reagia, não falava, apenas tremia e chorava,  sem conseguir parar.
- Deve estar lá em cima.
Queira mexer-se, fazer alguma coisa, evitar o que estava para acontecer mas não conseguia, não conseguia fazer nada, somente ficar ali sentado à espera de algo que nem ele sabia o que era.
Ouviu alguns passos, enquanto alguém subia as escadas e aí começou o seu pesadelo.