terça-feira, 17 de novembro de 2015

Um rascunho qualquer

    Ela transforma-se em fumo: dissipa-se pelo ar e não retorna. Como se aprisona o fumo? Como contê-lo, impedi-lo de fugir? Descobri como aprisionar tudo, menos a paixão. Ano atrás de ano, e sempre a mesma pergunta, sempre a mesma incógnita que permanece por descobrir. Já arranjaram modo de a desvendar? Maneira de a saber? Era tudo o que necessitava: manter este fumo encarcerado.
    Mais um dia. Hoje, apetece-me. Quero. Posso. Todas as oportunidades são minhas. Tenho-as na mão e faço delas o que acho por bem fazer. Tenho medo, mas, no meio de tudo o resto, ele não pesa. 
Vem outro. Já não me apetece. Já não quero. Já não posso. Nenhuma é minha e já nada tenho na mão. Não tenho medo, mas isso pesa-me mais do que se tivesse.
    O sol volta a nascer, e hoje voltei a ser tudo. Um ciclo vicioso, que se repete interminavelmente. Não lhe consigo ver o fim. Não consigo pôr-lhe um fim.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Não me lembro.

Não me lembro de escrever. Seja o que for. Não me lembro de tais palavras terem saído de mim, dos meus dedos, ou dos meus lábios. Não me lembro do taqtaq constante das teclas, do sussurrar da minha voz, do raspar da caneta no papel. Por mais que me esforce, nada disso vem ao de cima.
Já lá vão anos. Perdi a conta. Ao tempo que passei entranhada na escrita. Aos textos que dei vida. Aos que deitei fora. Aos que li, reli e pus de lado. Só sei - e que grande só - que  foram muitos. Mais do que aqueles que me parece ser possível recordar. Alguns apareceram apenas por breves momentos; momentos suficientes para que me libertasse do peso que me assolava. Outros, ainda hoje os guardo, para que, por mais que a minha mente tente, nunca me esqueça deles. Para que os tenha sempre presentes, comigo, porque foi para isso que eles foram criados. Para me lembrarem do que outrora fui e do que agora sou.
Uns, escrevi-os porque era eu. Porque estava em mim, porque me reconhecia enquanto ser, enquanto pessoa. Outros, nem tanto. Eram-me estranhos, não sabia de onde vinham, de onde apareciam. Mas completavam-me mais do que quaisquer outros. Não era eu; mas era. Provinham de alguém irreconhecível, de alguém tão distante, embora tão perto. E se hoje, ou amanhã, ou depois, me pedirem para os explicar, ser-me-á impossível fazê-lo. Por mais que tente. Por mais que queira.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Curto.

Se disto dependo, então não há mais que dizer do que isto: seja. Seja disto que o meu corpo sobreviva. Seja disto que tudo se mantenha. Seja disto que viva. Porque disto não me livro.
E se disto é vulgar, indefinido, então, mais uma vez, seja. Porque nem tudo é concreto. E não tem que ser.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

De volta.

Decidi escrever. Não sei porquê. Também não preciso. Faço-o por um motivo, ou por dois, ou por três. Mas não os sei. Nem tenho que saber. Escrevo porque é uma necessidade. Uma vontade. Um impulso. Escrevo, porque assim tem que ser. E gosto. Tiro prazer disso. As palavras completam-me de um modo imperceptível, mas fazem-no. Sem elas, não sou nada. Sem elas, nem sei viver. Quem sabe? Eu não. Até hoje não conheci outro modo de partilhar o que sinto. Verbalizar custa; escrever não. Os pensamentos fluem da caneta para o papel, como se fosse essa a sua única função. Não conhecem outro modo de vir ao mundo, se não este. Aprisionados durante tanto tempo, escapam o mais rapidamente possível quando lhes é dada a oportunidade. Não os posso culpar. Ninguém pode. Se em alguém tivermos de depositar a culpa, será em mim, por os ter. Acumulam-se uns em cima dos outros, lutando pelo primeiro lugar, assolando-me a mente, e o que vai restando dela. Não há espaço para todos. E, por isso, aqui os liberto. Ou me liberto. Talvez ambos. Porque, desta vez, se há culpa em mim por os deixar, também a há neles, por quererem ir. Depois existem aqueles que, por muito que se tente tirá-los, teimam em ficar. Ou, quando finalmente os soltamos, regressam, com um filho regressa a casa do pai depois de tantos anos na rua. Ciclo natural de quem pensa: liberta-se do peso de um, ganha o peso de outro, liberta-se do peso deste, e já volta o primeiro, ou outro, para tomar o seu lugar, numa cadeia infinita, como os números. Não há que ter a mente vazia, pois essas palavras não combinam, nem em tal se ouve falar. É assim quem tanto se preocupa, de saudável não tem nada, mas também não tem que ter, porque quem pensa tanto deste mal sofre, é como uma doença da qual não se consegue desembaraçar, uma praga que veio e não se vai. Mas não nos queixemos: isso geraria mais um pensamento, e já não há espaço para ele.