sexta-feira, 18 de maio de 2012

Voz do Coração

Ela queria falar, mas não podia. Ela queria ser ouvida, no entanto, isso era-lhe impossível. Ela queria fazer-se ouvir, encher o mundo com a sua voz, porém tinha nascido sem essa capacidade. Ela desejava de todo o coração poder proferir uma simples palavra, uma só, para poder sentir as vibrações das cordas vocais, uma vez só, era o seu sonho, um sonho impossível, mas que ela tinha e preservava dentro dela. Ela queria ser ouvida. Ela queria que a ouvissem. Queria embalar quem mais amava com o seu timbre, correto e afinado. Mas não podia e ela desprezava-se por isso. Nascer muda era exatamente o que ela mais detestava em sim mesma. Condenava os pais e os médicos por não a terem feito ser doutro modo. Refugiava-se no seu mundo, na esperança que tudo muda-se. Inferiorizava-se ao ponto de deixar de se reconhecer. Foi esquecendo quem mais amava, ao longo dos anos. Tudo deixou de ter sentido no seu caminho que nunca havia sido verde, reluzente e brilhante. Ora tinham pena dela, ora a desprezava, tal com ela a si mesma. Outros ainda, pisavam-na, mandando-a abaixo e tocando-lhe sempre na ferida. Raros eram os que a compreendiam, muito raros mesmo. Ela era assim e não tinha força para mudar. Os próprios pais desesperavam em busca de solução para a situação em que viviam mas por mais que tentassem nada durava e ao longo do tempo, ela foi-se escondendo mais do mundo, esquecendo tudo e todos à sua volta. Até que certo dia, essa menina encontrou alguém como ela. Não falava. Não proferia um único som. Não tinha aquela capacidade, tal como ela. No entanto, ela entendera-o apenas com um olhar. Ao seu jeito, o pequeno transmitiu-lhe a sua história e ela descobrira que ela não nascera mudo mas que um trauma o tinha feito ficar assim. O coração da garota gelou-se ao armazenar tais detalhes, no entanto tinha sede, sede de saber e descobrir mais sobre aquele ser que se intrometera no seu caminho. Em pouco tempo, os dois juntaram-se e a partir desse dia, juntavam-se dias e dias, sempre juntos, unidos. O mundo da menina havia mudado. Já não era cinzento mas sim verde, com um sol reluzente no seu céu. Com o tempo, deixou de se inferiorizar a si mesma, deixou de se desprezar por ser como era. Passou, até, a condenação aos pais e médicos, passando assim a viver doutro modo. O seu caminho mudara, colara-se ao caminho do garoto. Este ensinou-lhe muito, ensinou-lhe o mundo lá fora, o que existia para além daquela terra, mas sempre sem um único som. Meses se passaram e ambos se apaixonaram um pelo outro. Cariam no poço que era o amor, no carinho que transmitiam um ao outro. Aí ela percebeu que não precisava de embalar com a voz, podia embalar com o toque. Que não precisava de encher o mundo com o seu timbre, bastava o seu amor. Aí ela entendeu que não precisava de proferir palavras para sentir as vibrações do seu corpo. Aí, nesse momento, ela percebeu que o melhor tom de voz, é o do coração e aí a pequena passou a ser feliz, porque escutou o outro, sem este nunca ter falado.