sábado, 28 de setembro de 2013

1*

Com a monotonia de mais um dia, ele tirou um cigarro do maço, colocou-o entre os lábios e, com as mãos a proteger a chama da leve brisa que já se fazia sentir, acendeu-o. Encostou-se à paragem, observando as pessoas que corriam, apressadas para chegar ao local que pretendiam ou atrasadas para chegar ao trabalho. Ridículo, era tudo o que conseguia pensar perante aquela pressa que impregnava a rua. 
Deu um último bafo no cigarro e mandou para o chão, calcando-o. A paragem ia enchendo à medida que o tempo passava e lá ao fundo, viu-se o autocarro chegar. Vinha já cheio e ainda mais ficou depois de toda aquela gente entrar. Se ele já não gostava de autocarros, nos dias de frio passava a odiá-los. Passava mais de 20 minutos em pé, espremido contra uns quantos estranhos que não sabiam distinguir o chão dos pés das pessoas. Não conseguia esperar pelo dia em que pudesse finalmente tirar a carta. Quando finalmente chegou ao seu destino, já estava atrasado, mas nem por isso acelerou o passo para alcançar o portão da escola. Seguiu pelo passeio, atravessou o pátio e subiu as escadas. Ao abrir a porta já estavam a dar matéria, mas não se importou.
- Já tem falta - disse-lhe o professor, ao vê-lo entrar.
Ele não lhe deu nenhuma resposta. Foi sentar-se na única mesa livre, ao fundo da sala e ao lado da janela e tirou os cadernos e livros. Ignorou tudo o resto à sua volta e pôs-se a contemplar o exterior. Adorava ver as folhas a voarem com o vento e os ramos das árvores a agitarem-se com o mesmo. Adorava ver as cores castanhas misturarem-se com o verde. A bem dizer, adorava o Outono mais do que adorava qualquer outra estação do ano. A sua calma, a sua serenidade. Traziam-lhe boas memórias. Daquelas que ele queria esquecer mas ao mesmo tempo recordar. Daquelas que ele nem sabia se eram memórias de todo. Talvez não o fossem. Talvez fossem fragmentos da sua imaginação. Eram, porém, bem melhores do que aquelas que ele realmente tinha. 
O toque da campainha despertou-o desta nostalgia. Arrumou as suas coisas e saiu. Foi ao cacifo buscar os livros para a próxima hora e já os tinha quando uma multidão encheu o espaço. Os alunos passavam, a rir, abraçados uns aos outros, a falarem sobre tudo e mais alguma coisa que pudesse ser traduzido em palavras. Irritado por toda aquela confusão de vozes e gritos, saiu dali e acabou por se ir sentar encostado à parede, o mais distante possível de toda a  agitação. Tirou o ipod da mala e pôs-se a ouvir música até tocar. Sentiu-se mais calmo e acabou por esquecer todo aquele alvoroço. Deixou-se levar pela melodia e e enroscou-se em si mesmo por causa do frio que se fazia sentir naquela manhã. Não que lhe fizesse impressão. Antes os frio do que o calor, era o que pensava. 
Estava mais cansado do que aquilo que queria admitir e, aos poucos, as pálpebras começaram a pesar-lhe. Foi fechando os olhos, a mente esvaziou-se-lhe e antes de notar, já tinha adormecido contra a parede. Acordou, duas horas mais tarde, quando o toque ressoou pela escola. Tinha faltado a duas aulas e o ipod tinha ficado sem bateria. Que se lixe. Levantou-se, pegou na mala e dirigiu-se para a saída da escola. Não vale a pena ir à próxima hora. 
Tirou um cigarro, acendeu-o e encostou-se à paragem, à espera que o autocarro chegasse. 

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O mar é fiel - fim

Estou parada na água, que me chega até à cintura e me envolve num abraço gelado, porém, o meu corpo pouco se parece importar com o frio que lentamente se apodera de mim. 
Porque estou aqui? Não sei. Como vim aqui parar? Não me recordo. Também não importa. Na verdade, agora nada importa. Como, porquê, quando. São interrogações para as quais não existe espaço na minha cabeça. Agora, só um facto toma controlo da minha mente. Só uma verdade me move e só uma realidade me consome.
As ondas rebentam contra mim, colmando a camisola ao meu corpo, algo que dantes me daria estremecer e despi-la, mas que agora nem um simples olhar ganha. O mar está agitado, com ondas enormes e correntes fortes, como que numa revolta pelo que aconteceu. Entendo-o. Também eu, mais cedo, tinha estado assim. Mas agora não. Agora estou calma, consciente do que farei e de como o farei. Viro costas àquele frenesim de movimentos e sigo caminho para as rochas. Alguns surfistas aventuram-se mar a dentro, sem medo algum do tamanho que as ondas assumem. Ao vê-los, algumas lembranças assombram-me enquanto ando. Eu, sentada nesta mesma praia, a ver o Frederico deitado na prancha, para , momentos depois se levantar e deslizar na onda. Ou a fugir dos seus braços frios e molhados, quando ele decidia perseguir-me pelo areal fora. Lembro-me de como me sentia orgulhosa e feliz por poder dizer que aquele rapaz era o meu rapaz. Agora, apenas me traz lágrimas aos olhos, lágrimas essas que me esforço por não deixar cair. 
Chego aos rochedos e, inspirando profundamente, começo a trepar por ali acima. Ignoro a entrada da gruta, ignoro o que ela me diz e as memórias que me proporciona. Continuo a subir, cada vez mais alto, até chegar ao topo. Aqui, o vento tem maior intensidade, quase fazendo o meu corpo franzino perder o equilíbrio. Já aqui tinha estado, várias vezes com o Frederico, e nessas alturas, ele agarrava-me com força, como se tivesse medo que eu caísse. No entanto, neste momentos e daqui em diante, o abraço do Frederico não pode impedir que eu caia. Porque ele não está aqui. Porque ele não voltará a estar. 
Continuo a andar até chegar à beira do rochedo. Daqui consigo ver o mar debaixo de mim, contra as pedras, como um chicote movido pela fúria. Um chuva miudinha começa a cair e eu olho em frente. Não há luta de pensamentos ou sufoco de lágrimas. Apenas há imagens, a correm de um lado para o outro, o corpo do Frederico naquela maca, o dia em que o conheci, o funeral dele, a nossa primeira noite juntos, a dor de o perder, o amor incondicional. com estes pensamentos, dou alguns passos até que sinto apenas o ar debaixo dos pés.. E caio, para ir ter com o meu amor.