sábado, 16 de novembro de 2013

3*

Acordou no dia seguinte, com um soco na porta. Não se queria levantar, não queria ir para a escola e muito menos queria enfrentar aquele dia. Porém, obrigou-se a sair da cama e a ir tomar duche. Pôs-se à escuta, para tentar reconhecer o barulho de passos mas só conseguir distinguir o silêncio. Desceu as escadas e foi para a casa de banho. Enquanto estava na banheira, sentiu a água a fustigar-lhe os músculos doridos e entorpecidos do cansaço. Quando terminou, enrolou uma toalha à volta da cintura, saiu da banheira e, ao limpar o espelho, viu o seu próprio reflexo. Estava longe de se parecer com os rapazes da sua escola, de ter músculos ou um bronzeado, pelo contrária, era bastante magro e branco, com o corpo sulcado de sardas e cicatrizes. Tentou, tal como muitas vezes antes, sentir algum conforto ao ver-se mas por mais que se esforça-se, não conseguia. Acabou por ir para o quarto, vestiu-se e passado dez minutos já estava na paragem.
O trânsito era caótico e o som constante das buzinas insuportável. Queria fumar um cigarro antes de entrar nas aulas mas tinham acabado e não se sentia com paciência para ir a um café comprar.
Quando se fartou de esperar pelo o autocarro, decidiu ir a pé, pois certamente chegaria lá mais depressa. Tirou o ipod da mala, começou a ouvir música e encaminhou-se para a escola. Por ele passavam idosos, crianças, pais com os filhos, varredores de rua e enquanto ele notava em todos, nenhum notava nele.
Depressa o corpo se começou a queixar com dores, no entanto ele ignorou-as. Continuou a andar, quando sentiu alguém tocar-lhe no braço:
- ..dia, Rui.
Olhou para trás e viu uma rapariga da sua turma a sorrir-lhe. Sara, se não se enganava. Tirou os phones para a cumprimentar, porém, antes de o poder fazer, ela soltou um grito abafado:
- O que é que te aconteceu?
A pergunta surpreendeu-o. Não estava à espera que alguém lho perguntasse, assim tão directamente, como era hábito e costume. Sentiu-se desprevenido, sem resposta. 
- Rui?
- Caí das escadas - foi tudo o que conseguiu dizer.
- Caíste das escadas?
Ele confirmou com um gesto e desviou o olhar. Ainda assim, ela não desistiu:
- Meteste-te gelo ao menos? Parece feio..
- Não, não me lembrei. 
Mesmo não estando convencida, Sara acabou por deixar o assunto em suspenso:
- Posso-te fazer companhia até à escola ou preferes ir sozinho?
Pela segunda vez, uma simples pergunta apanhou-o de surpresa. 
- Sim..
- Então vamos - começou a percorrer a rua e ele seguiu-a.
Durante uns minutos, caiu um silêncio entre os dois. Ele não se sentia capaz de iniciar fosse que diálogo fosse. Ainda se sentia atordoado com o que provavelmente foi a conversa mais longa desde à muito tempo. O à vontade dela deixou-o perplexo. Só quando chegaram à escola é que ela voltou a falar:
- Onde é que te meteste ontem?
Ele olhou para ele, como se não entendesse.
- Ontem, depois da primeira aula, desapareceste. Onde foste?
Ele tinha mesmo notado que eu me foi embora?
- Para casa. 
- E caíste das escadas a caminho ou lá?
- Lá.
A campainha soou e eles foram para a sala. Mesmo antes de entrarem, ela olhou para ele e disse:
- Tu bem que tentas, mas não me convences.