domingo, 28 de outubro de 2012

Dias de Vento

Dias de vento, fazem-me sentir saudade. Trazem as recordações mais profundas, despertam os sentimentos que eu julgava já ter esquecido. Fazem-me visualizar cenas, uma e outra e outra vez, na minha cabeça. E essas lembranças, trazem ao de cima o que eu era. E fazem-me desejar voltar atrás no tempo. Voltar atrás, nem que seja por um dia, só um. Lembro-me de memórias, que nem sabia que me lembrava. Mas elas estão lá, claras como aquele dia sem nuvens. E o meu desejo arde mais intenso, de voltar e parar, ali, naquele preciso momento, ficar ali. Porque ali tudo era fácil.
Dias de vento, fazem-me perguntar ‘e se’. E se as coisas tivessem sido o oposto. Se eu tivesse conhecido outro pessoa, em vez daquela? Se eu não tivesse mudado de casa? Se eu naquele dia, não tivesse tido coragem de falar àquela menina tímida, à porta da sala de aula? Se eu não tivesse, naquele dia, ter tido a coragem de lhe perguntar se estava tudo bem com ele? Teria sido diferente, teria feito uma grande mudança na minha vida. Ou talvez não. Talvez as coisas continuassem como são. Talvez por qualquer outro motivo acabasse por conhecer quem conheci. Feito o que fiz. O condicional é muito improvável, mas ocupa o meu espirito quase todo o dia.
Dias de vento, fazem-me pedir que estejas aqui. Apesar de eu saber que não estarás, mas não importa. Não importa quês digam que sou parva, que te devia esquecer, que tu me magoaste e que ser ingénua ao ponto de te querer de volta é estúpido. Mas eles não entendem. Eu quero-te como amigo. Porque apesar de tudo, tu sabias sê-lo. Tu sabias dar-me apoio. O que dizer, quando dizer. Não quero mais que isso. Pedir uma amizade, é pedir muito? Talvez até seja. Talvez eu esteja a pedir um mundo a uma pequena estrela. Mas acredita, tu ainda brilhas. E isto pode ser a minha parte fraca a falar. É provável que seja. Mas não faz mal. Todos nós a temos, não é verdade?
Dias de vento, fazem-me bem. É como se depois de tudo isto, lá no fim, levassem tudo com eles, como se ao se irem embora, se misturassem com a dor e a levasse. Como se pegassem na mágoa e arrastem-se com eles. E eu gosto disso. O que me faz gostar destes dias. Em que o cabelo bate forte contra a cara. Até nos dignarmos a atá-lo. Mas a bem dizer, eu gosto do cabelo nos meus olhos, contra a minha boca, a roçar no meu nariz. Gosto de sentir o seu cheiro. Porque isso? Traz-me a casa. Mostra-me quem sou. O seu pequeno perfume, mostra-me onde pertenço. Mostra-me que ainda algo é real. Por isso, não me importo que o cabelo esvoace livremente.
Dias de vento. São dias. E que dias. Dias que me confundem. Que baralham tudo cá dentro. Mas no crepúsculo, já decidiram o que levar e o que deixar. São dias, daqueles que eu gosto.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Tenho 14 anos (...)

O décimo ano é algo que me dá cabo da cabeça. Nem sei se escolhi o curso acertado. Escolhi-o com base num sonho. Não é propriamente a melhor maneira de escolher um curso. Mas o meu coração implorava por ele, implorava que eu seguisse o nosso curso. Será que ele o seguiu também? Ele sempre adorou a natureza, sempre disse que queria ser médico, daqueles que viajam pelo mundo a curar as pessoas. Era o seu maior a sonho. A seguir, claro, de ficar para sempre contigo, acrescentava sempre com um sorriso. O que me faz sorrir. O que faz o meu coração chorar. Ultimamente, andava pior. Muito pior. Mudei de escola, com a ida para o décimo ano. Era um pouco melhor do que a anterior. As pessoas já não me olhavam de lado quando eu passava. Acho que isso é um avanço. 
Hoje um rapaz veio falar comigo. Era bonito, muito mesmo. Sentou-se ao meu lado e ficou ali, a conversar comigo. Ou melhor, a falar para mim. Eu não participei muito. A imagem do Jaime não me saía da cabeça. Por mais que tentasse. Eu só pensava nele. Aquele rapaz tinha os mesmos olhos que ele. Olhar para eles, eram partir o que restava de mim. Para minha salvação, soou o toque e tivemos de ir para a aula. Ele tentou voltar a falar comigo, mas eu não consegui. Por mais que tentasse, eu não conseguia. 
Agora, no meu quarto, estou a tentar ligar ao Jaime. Tento-o todas as noites. Mas hoje, já o fiz 17 vezes. Eu sei que vou sempre ouvir a mesma voz. A dizer-me que o número não está ativo. Mas eu preciso de o fazer. Enquanto isso, seguro o colar que ele me deu, entre os dedos. É a única prova que tenho que ele é real. A única maneira que tenho de saber que não foi tudo um sonho. 

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Puzzle

Era um puzzle. E era tão belo. Cada peça no seu lugar, cada traço completando o outro. Era pequeno ao início, eram peças básicas, muito básicas, certas linhas, certos pontos, mas tudo incerto, era tudo um esboço do que estaria para vir. A medida que o construíam, foi-se transformando em algo mais complexo. Algo mais do que simples peças, linhas ou pontos. As linhas transformavam-se agora retas, bem definidas, bem traçadas. Ângulos bem estruturados. Os pontos eram visíveis, cruciais neste empreendimento. Era algo imprevisível, e as peças jogavam umas com as outras. Fazendo imagens, criando emblemas. Construindo diálogos. Do nada apareciam mais pedaços, cada um diferente do anterior, cada um com um sítio próprio, cada um com o seu significado. Era, não, é um puzzle. Um puzzle difícil de entender, para muitos, até indecifrável. E o seu criador tem de ser astuto. Muito mesmo. Porque criar um puzzle não é tão fácil com parece. Não é só juntar peças, mas sim juntá-las de forma correta. Juntá-las de modo a que encaixem umas nas outras, de modo a que façam sentido, não são juntá-las para as despachar. E juntá-la corretamente requer tempo. Um tempo indefinido, mas que é um tempo. E quando se repara, desaparece uma peça. Procura-se por ela por todo o lado. Debaixo da mesa, talvez tenha caído. Atrás do sofá, talvez alguém tivesse passado e a tivesse empurrado para lá. Procuramos no quarto, talvez nós a tenhamos levado para lá e nem nos lembramos. Mas não. Essa peça desapareceu. Como se nunca tivesse existido à face da terra. Mas aquele lugar vazio no puzzle diz-nos o contrário. E então, o seu criador tenta desesperadamente remendar aquele buraco, aquele lugar vazio. Mas não consegue. Não há mais nenhuma peça como aquela. E ele fica à espera que ela aparece. E aparecem, aparecem muitas. Mas nenhuma com aquele tamanho, com aquele formato. E por mais tempo que passe, nenhuma peça volta a ser com aquela que foi perdida. E aquele lugar fica vazio. À sua volta, outras peças vão formando outras imagens, as linhas unem-se, os pontos seguem-se e as fotografias aparecem. E depois, outra peça desaparece. Outra vez. E outra vez. Aqui e ali, o nosso pequeno grande puzzle tem buracos, vazios contra a grandeza daquelas imagens. Isto, porém, não muda o facto de ser um puzzle lindo. É, apenas, incompleto. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Piminho

‘Piminho, beijinho, beijinho’, eu era uma criança extremamente fofa, tens de admitir. Mas pronto, tu também és um primo extremamente fofo, também tenho que admitir. É pena não te poder ver mais vezes, poder chatear-te mais e mais, confesso que já tenho saudades de quando te via todos os dias. E tu? Tens saudades de quando me aturavas dias seguidos? Talvez tenhas, acredita, eu tenho e muitas. És um primo mesmo daqueles com quem dá gosto passar o tempo, com quem dá gosto falar e estar, com quem dá gosto provocar. Não passámos muito tempo juntos, ao longo destes anos, é bem verdade e, muito infelizmente, é uma daquelas verdades que gostávamos de tornar mentira. Mas, apesar de ter sido pouco, sempre nos demos bem, muito bem até. Não me lembro das vezes que te vi quando era pequena, era demasiado nova e esses tempos falham-me, mas acredito quando me dizem que te adorava e que só queria que me desses colo e beijinhos e sabes porquê? Porque agora, já crescida, sinto-me confortável contigo, apesar de ser um pouco tímida para com as pessoas que não conheço bem, eu sempre me senti bem ao pé de ti e ainda me sinto bem, muito bem, como já disse antes e repito, muitas e muitas vezes, que estar contigo é algo que me deixa feliz, muito feliz. Lembraste das minhas maluquices, a ver o Nemo? Pois é piminho, não é qualquer um que vê o meu lado maluco, o meu lado espontâneo. És um péssimo cantor, já alguma vez te disse isto? Eu também sou, todos nós sabemos não é, e odeio cantar (em público) mas juro, que se fosse para cantar de novo contigo, eu cantaria. Uma e outra e outra vez. Só mesmo porque o faria contigo, com o meu priminho já tão crescido. Com o meu priminho tão maluco, até mais do que eu, tão bem-disposto, cuja felicidade contagia os outros. E sim, contagia mesmo, essa tua alegria genuína, essa tua forma de estares sempre alegre, pronto para a brincadeira e para a palhaçada, essa tua paciência infinita para aturares as nossas pancas, as nossas grandes pancas, para todos os dias nos ouvires, para 'brincares' connosco e para discutires comigo qual é melhor, um livro ou um filme. Agradeço-te muito por isso, por seres um primo assim, tal e qual como és, por seres uma pessoa excelente e por me teres suportado durante estes pequenos (grandes) momentos. Acredita, cá dentro, estás bem conservado, juro. 



quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Tenho 13 anos e (...)

Já não falo com o Jaime à imenso tempo. Não sei o que se passa. Simplesmente não sei. Um dia ele não ligou. Nem no dia a seguir. Ele ligava sempre. Pensei que se tivesse passado algo, por isso deixei estar. Ao quarto dia liguei de volta. Ele não me atendeu. Nem no dia seguinte. Nem no a seguir. Foi como se tivesse desaparecido. A minha mãe tentou contactar com a mãe dele, mas sem sucesso. Perguntei ao meu pai por ele, se o tinha visto, se sabia de alguma coisa. Mas ele também não sabia. Ganhei coragem e liguei a uma ex-colega minha. Ela também não sabia dele. Um dia, ele não tinha aparecido na escola. E a partir daí, nunca mais ninguém o viu. Ninguém sabe nada dele, ou dos pais.
Agora, passado 7 meses desses dias, ainda me pergunto se ele é real. Todos os dias lhe ligo, e todos os dias recebo o silêncio. Será que ele existiu mesmo? Ou foi produção da minha imaginação? Às vezes penso que não. Que ele não é real, que ele foi algo que eu inventei para me sentir melhor. Mas depois sinto aquele colar, frio, gelado contra a minha pele, e sei que ele teve de existir. Recordo aquele nosso toque, que é nosso, só nosso e de mais ninguém. E sei, sinto, que ele existe. E isso, leva-me a uma terceira conclusão, que me dói só de pensar. Mas rejeito-a. Se isso tivesse acontecido, o meu pai saberia. Ele era amigo de família desde os meus seis anos, ele teria sabido, bem como os colegas da escola. Eles saberiam, claro que saberiam. Óbvio que sim.
Talvez ele tenha apenas seguido em frente, mudado de casa, de cidade, quem sabe, até de país. Não tenho de me preocupar. Ele está bem. Ele tem de estar bem.

Chuva

A chuva é tão calma, tão tranquila, tão pura. Ela limita-se a cair, só a cair, unicamente a cair. Acalma-me tanto, andar à chuva, há tanto silêncio. Sem pessoas, a falar. Sem gritos. Sem berros. Só as pequenas gotas a caírem no passeio, umas atrás das outras. É um som tão bom. Daqueles que nos faz desejar mais. Daqueles que nos abre o espírito. Que nos faz lembrar de coisas que já há muito que tínhamos esquecido, coisas do passado. Que nos faz chorar, por essas mesmas coisas.  E chorar à chuva, é das melhores coisas que somos livres de fazer. Permite-nos pensar, para além daquilo que julgamos ser possível. Faz-nos ir mais além. Muito mais além. Sentir o cabelo a ficar molhado, aos poucos, ver a água a escorrer, tão devagar, como se não quisesse atingir o passeio. Pisar as poças de água, como se tivéssemos outra vez cinco anos, sem nos preocupar-mos com constipações ou doenças. Sabe tão bem, aquele cheiro a relva molhada pela chuva, aquela cheiro a terra húmida, que nos enche os pulmões. Não há carros, nas estradas já correm rios com a água toda que cai e ninguém quer arriscar um acidente. Sento-me ali mesmo, no meio daquilo tudo, a travar aquela ribeira que escorre, fico ainda mais molhada, encharcada até aos ossos, mas estar ali, é tudo o que quero. É dos melhores dias que há, os de chuva. Deito-me no alcatrão inundado, enquanto a chuva continua a cair, sem medo, sem qualquer tipo de medo.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Deixa-me dizer-te algo

Eu sinto tanto a tua falta. Tanto, mas tanto. E tu nem notas. Tu não entendes que eu preciso de ti. Que eu dependia de ti. Mas tu não entendes isso. Será que alguma vez entendeste isso? Sinceramente, acho que não. Acho que nunca entendeste o quão bonita era a nossa amizade. O quão grande eras no meu coração. Eras, sim eras. E agora, o vale que lá deixaste, ainda é maior. Dói tanto, quando julgarmos que conhecemos alguém,  e depois ver-mos que nada daquilo era verdade. Dói tanto, saber que fizemos tudo por alguém, e depois esse alguém não quer saber de nós. Como se nunca tivéssemos tido um papel fundamental na vida deles. E dói, dói muito, saber que vives como se eu nunca tivesse sido importante. E sabes? A dor começa a formar uma ideia na minha mente: nunca, mas mesmo nunca sentiste por mim, o mesmo que eu sentia por ti, nunca, mas mesmo nunca, tiveste tensões de cumprir as tuas promessas, e nunca, mas mesmo nunca, foi importante para ti. Ver nisto, que te tornaste? É tão doloroso. Tu não vês aquilo que és, tu não vês aquilo que mudaste, tu não vês aquilo que não faz sentido em ti. Tu não és assim. Mas sinceramente, eu não tenho mais forças para te fazer ver o que está à tua frente, bem à tua frente. Tu vais entender, acabamos sempre por entender aquilo que precisamos de entender. Só quero que saibas, que eu estive sempre aqui para ti. Que me trocaste por uma vida de mentiras. Talvez sejas mais feliz agora, nem sei se alguma vez te fiz mesmo feliz. Talvez nunca o tenha feito. Nunca foi capaz de te dar o que merecias. Foi isso? Se foi, desculpa, desculpa, desculpa, desculpa, desculpa. Mil vezes, desculpa. Mas eu tentei. Eu juro que tentei. Eu juro que me esforcei.

domingo, 7 de outubro de 2012

O mar é fiel 15*

Eu pensava que vê-lo sorrir, era belo, mas vê-lo dormir, é algo ainda melhor. Acaricio-lhe a cara, levemente, para não o acordar. Sinto a pele macia por debaixo da ponta dos dedos, O peito dele levanta-se tão suavemente. Quem me dera poder ficar ali, a vê-lo, a tocar-lhe. Era tão bom. Parece um anjo. 
Levanto-me a calço-me, amaldiçoando o facto de ser quinta-feira e de ter escola. A escola é uma verdadeira seca. Gente sem nada para fazer que não seja meter-se na vida dos outros. E o pior de tudo: são horas preciosas longe dele. Seria muito mau se faltasse hoje? Era só um dia..
Dou-lhe um último beijo, com cuidado, não o quero acordar, é demasiado cedo para isso. Pego na mala e caminho até à porta, cuidadosamente para não fazer barulho. 
- Lua?
Fogo.
Olho para trás e vejo-o, sentado, com a cara cheia de sono, imenso mesmo. 
- Desculpa, acordei-te?
Ele abana a cabeça, em sinal negativo e depois olha-me, com aqueles olhos sonolentos. Sinto-me a morrer.
- Onde vais? É tão cedo…
- Tenho escola e ainda tenho de passar por casa para ir buscar os livros.
Ele parece desanimado, verdadeiramente desanimado. 
- Mas já? É tão cedo - repete.
Vou até à beira dele e sento-me, dando-lhe outro beijo.
- Logo à tarde já me aturas outra vez, certo?
- Mas ainda falta tanto tempo para logo à tarde – ele pega na minha mão que lhe está a acariciar o peito e beija-a – vou morrer de saudades da minha princesa, entretanto.
Sorrio.
- Da tua princesa?
Ele aproxima-se e sussurra-me ao ouvido:
- Só minha.
Sorrio ainda mais e deito-me em cima dele, obrigando-o a encostar-se.
- Pensa na noite que passámos e as saudades vão logo embora – digo-lhe e ele sorri-me, aquele sorriso traquina que me faz amá-lo ainda mais.
- Sabes o quão bom é, saber que confias em mim o suficiente para termos tido uma noite assim?
- Porque não haveria de confiar?
Ele encolhe os ombros.
- Não sei..
- Tu não confias em mim?
- Claro que confio!
- E porque? Sabes ainda menos de mim do que eu de ti...
- Mas eu sei que tu não me mentes, eu sei que não.
Ele beija-me.
- Eu também sei que tu não me mentes.
Abraço-o. Sentir o seu corpo junto ao meu, é algo tão bom, mas tão bom.
- Gostaste...?
- Não…
- Não?! – levanta-se tão rápido, que tenho de me agarrar ainda mais ao seu pescoço para não cair.
Rio-me, e a gargalhada espalha-se pela divisão. Ele parece extremamente alarmado.
- Não – digo, enquanto lhe afasto os caracóis da frente dos olhos. E num sussurro, acrescento – eu amei.
- Parva, nunca mais faças isso - ele ri-se. Eu amo ouvi-lo rir-se - eu também amei.
E beija-me. Faz-me sentir viva 
- Eu amo-te. Sabes disso, não sabes?
Sorrio e toco com o meu nariz no dele. Como é que alguém pode sentir tamanho sentimento?
- Só se souberes como eu te amo.
Ele não responde. Beija-me de novo e eu entrego-me ao beijo, por completo. Sinto as mãos dele a subirem-me pelas costas e obrigo-me a afastar os lábios.
- Mas por mais que eu te ame, há uma coisa chamada ‘escola’ e outra chamada ‘minha mãe’ que me vai matar se eu começar a faltar, por isso… - e dito isto levanto-me, o que o deixa visivelmente desapontado.
- Vais ter comigo à gruta logo, depois da escola?
- Aparece, e descobres – digo e ele sorri-me.
Pego na mala e saio. Ainda o oiço falar, antes de fechar a porta.
- Até logo!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O mar é fiel 14*

A casa do Frederico é, sem dúvida alguma, a casa mais estranha em que já entrei. Nem sei se casa, é o termo correto. Consiste em duas divisões, única e exclusivamente, casa de banho e depois outra que serve de sala, cozinha e quarto. É o contraste da minha, com todas aquelas divisões e quartos que nem utilidade têm. Por isto, prefiro, instintivamente, a dele. 
- Pensei que os rapazes fossem desarrumados – digo, com um sorriso na voz. 
Apesar de pequena, cada coisa tem um sítio e nada está fora do lugar.
- Ah Ah Ah, que piada, ainda há rapazes arrumados, sabias?
- Sim, mas tu já não és um rapaz, pois não?
- 19 anos, está mais do que dentro dos limites – diz-me, piscando o olho.
- Ah, claro, claro.
19 anos. 17 anos. 2 anos de diferença. Faz mesmo a diferença?
- Bem, deves querer tomar banho, não?
- Vai tu primeiro, estás em pior estado que eu.
- Não, não, senhoras primeiro - e faz uma vénia.
- Sempre muito cavalheiro.
Ele ri-se. Ultimamente, ele ria-se muito. Eu adoro isso. Vê-lo feliz.
- Sabes? Eu tenho um problema.. - digo.
- Qual?
- Visto o quê? Não tenho roupa..
Pouso a mala na cama dele. É grande, de casal. 
- Eu arranjo-te qualquer coisa, espera só um bocadinho – e dito isto, vira-me as costas e entra numa porta que eu nem dei conta que existia. Continuo a observar aquele espaço, tão diferente. Há uma cama, mais ou menos a meio. Em frente há um pequeno móvel com uma televisão daquelas antigas. Num dos lados, é a 'cozinha'. No outro, há armários e estantes. 
Passado um bocado, ele regressa e mete-me uma camisola, calças e roupa interior de rapariga. Olho para ele, com a pergunta na ponta da língua mas ele apressa-se a desculpar-se.
- Não é meu! Quer dizer, óbvio que não é meu, mas também não é de nenhuma amiga minha, era da filha do dono disto. Ela esqueceu-se cá.
- Claro…
- Eu não nunca fui rapaz dessas coisas oh - sorri-me e encaminha-me para a casa de banho.
- Pronto – diz, ao tirar uma toalha de um móvel branco – está aqui, está à vontade sim?
Fica. Fica nada, estás parva? Por favor.
- Está bem, obrigada – digo e sorrio.
Pega-lhe na mão, diz-lhe para ficar. Ele quer isto, tanto quanto tu.
- Bem, até já.
Agora!
Agarro-lhe levemente na mão, o que o faz parar. O meu coração dispara. Será que ele o ouve? Que estou a fazer? O que queres, o que precisas. Mas é correto? Claro que sim.
Não sei se ele me ouve, ou compreende. Só sei que ele se vira para mim, devagar. Sinto-o a agarrar-me na cintura e a puxar-me para ele. As minhas mão, agarram-lhe o pescoço. Ponho-me em bicos de pés, e chego os meus lábios aos dele. Ao inicio, tenho medo. Eu e ele. Sinto-o no seu toque. Mas depois, perde-mo-lo. Ele encosta-me ainda mais a si. Nunca senti nada assim. As borboletas no meu estômago imploram por mais.
- Queres que fique? - diz, ao afastar os lábios.
- Quero - a respiração está tão irregular, que quase me atropelo nas palavras.
Ele sorri. É lindo vê-lo sorrir. Ele beija-me outra vez. Sinto-lhe as mão a tirarem-me a camisola. E depois eu tiro-lhe a dele. Vejo-lhe os abdominais, tão perfeitos. Acaricio-os, sentindo o coração dele a bater descontroladamente no peito e depois, beijo-os: a pele por debaixo dos meus lábios arde. Ele beija-me, o pescoço, os ombros, os braços. A minha pela ferve, ao toque dele. Sinto-me mais viva do que nunca, como se aquele fogo jamais se extinguisse. Como se aquele momento fosse eterno.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O mar é fiel 13*

Sinto-me tão confusa.
- Porque é que te preocupas? Porque é que arriscaste a vida desta forma? Não importa, eu não importo.
- Importa sim. Pela primeira vez, alguém gostou de mim pelo que sou e não pelo que tenho. Não achas que essa pessoa é importante?
- Eu…
Não consigo terminar a frase. Ele abraça-me, um abraço desesperado, um abraço de medo, como se temesse não poder voltar a fazê-lo.
- Eu preciso de ti. Não me ouviste? Tens valor, és importante. - aquelas palavras, fazem-me sentir tão bem; não me lembro da última vez que foi importante para alguém, a última vez que tive valor.
Não consigo responder-lhe. Esta proximidade tira-me o ar, prende-me as palavras na garganta e tira todos os pensamentos da minha mente. 
BAM.
O trovão chama-nos à realidade. Ele afasta-se de mim e eu tento normalizar a respiração, inspirando e expirando várias vezes. Quando reparo, ele já está de pé, com um braço estendido na minha direção.
- Anda, temos de sair daqui.
Agarra-lho a mão com força e levanto-me. Encosto-me a ele. Sinto-me tão bem ali, mas tão bem. Eu sou mais baixa que ele, aí uns dez centímetro. Ele ri-se alto, uma gargalhada que difere de tudo o que está ali. Afasto-me e olho para ele, tentando entender o motivo da sua felicidade. Ele, porém, limita-se a encolher os ombros. 
- Não tens frio? Estão cerca de 10º, menos até, e tu só tens uma camisola a proteger-te.
- Sim, mas eu ainda tenho umas calças para vestir, enquanto que tu tens a roupa toda encharcada..
Ele olha para baixo e pela cara que faz, algo me diz que não sabia que se tinha lançado ao mar totalmente vestido.
- Pois, talvez seja melhor ir a casa mudar de roupa.
Olha para mim e aceno com a cabeça. Vou até onde deixei as minhas calças. Grande desilusão: estão empapadas, com areia, água do mar e água da chuva. Estou a fitá-las, quando o Frederico vem ter comigo.
- Não creio que isso vá ser muito confortável…
- Nem a ti nem a mim.
Suspiro. Não quero nada ir a casa, isso significa ver a minha mãe. Mas a ideia de ficar ali, exposta ao frio, também não me agrada muito. Começo a deslocar-me pela praia a apanhar as minhas coisas. Perdi por completo as meias, e a minha t-shirt está tal e qual como as calças. Apanho os ténis e a mala. Agradeço ao meu subconsciente por a ter atirado para tão longe do mar.
- Anda daí, vamos para minha casa.
Olho-o, completamente embasbacada. Ele cora, e baixa o olhar. Sinto as bochechas a arder. Será que também estou a corar?
- Pronto, era só uma ideia. Se não quiseres, eu entendo, na boa.
- Não, não. Eu quero.
- A sério? – e olha-me, com o maior sorriso do mundo. Um sorriso belo, por sinal.
Tens a certeza?
- Sim, acho que neste momento é o melhor sítio para eu ir.
Ele estende-me a mão:
- Anda, então.