terça-feira, 14 de junho de 2016

    A caneta foi substituída pelo teclado, o papel pela tela, o som do bico a raspar na folha pelo som dos dedos nas teclas. Quase sem darmos por isso, fomos transferidos para um novo mundo, onde as letras aparecem sem as formarmos. Transferimos o que pensamos através de fios, uma extensão do nosso ser que talvez se assemelhe mais a ele do que o caderno que guardamos na prateleira, esquecido e com pó. Uma evolução, diriam os entendidos. Porém, não sabe a evolução. Sabe a uma perda, como a de um colega que mudou de escola. Como a inocência que chegou ao fim, quase sem dar-mos conta. 
    Devíamos ser mais do que meras sombras. Mais do que vestígios da nossa existência, do que traços que, sem darmos por isso, desaparecem. Devíamos fazer mais, ser mais. Somos capazes de tal. Mas não somos. Somos capazes de falar, de dizer, mas não de agir. Capazes de erguer a voz, mas nem um dedo mexemos. Dormimos bem, ao final do dia, sentimos que fizemos o nosso papel. Que papel é esse? Escreveram-no antes ou depois de nascermos? Ou foi por ele que nascemos?