Sinto-me toda a abanar, como se alguém me estivesse a sacudir. Tento abrir os olhos, mas as pálpebras teimam em ficarem fechadas. Sinto-as secas, presas. Reviro-os um pouco.
- Por favor, acorda, por favor…
Consigo finalmente abrir os olhos, mas não consigo focar nada. O estranho continua a abanar-me, por isso mal consigo entender o que tenho mesmo à minha frente.
- Ainda bem que acordaste.
Consigo finalmente abrir os olhos, mas não consigo focar nada. O estranho continua a abanar-me, por isso mal consigo entender o que tenho mesmo à minha frente.
- Ainda bem que acordaste.
Tento concentrar-me e focar-me em algo. E quando consigo, vejo a cara mais bonita que alguma vez vi na minha vida. Os
lábios são vermelho vivo, carnudos. O nariz bem desenhado, com sardas a
adorná-lo. As sobrancelhas em forma de asa, tão belas, ruivas. E aqueles olhos,
castanho cor de mel, afligidos pela preocupação.
- Estás bem? – pergunta, enquanto me ajuda a sentar.
Sinto-me tonta e estico os braços para me segurar não sei bem aonde.
Sinto uma mão nas minhas costas e outra no meu ombro, a manter-me estável.
- Sim, sim, acho que estou bem..
- Não pareces, nada mesmo. Tens um enorme hematoma na cabeça e as pernas todas esfoladas. Anda, vamos
sair daqui para te levar a um médico e…
- NÃO!
O grito assusta-o e esgota-me as últimas forças que tenho dentro de mim. Agora sim, dou conta da dor de cabeça alucinante que tenho e do sangue a escorrer dos meus arranhões. A minha mãe dói-me imenso, e encosto-a ao peito. Tenho o corpo todo dorido.
- Não vou a médico nenhum.
Ele parece meio atarantado, sem saber se tem confianças suficientes para
me obrigar a ir.
- Está bem então – acaba por dizer – mas deixas-me ajudar-te a sair
daqui.
Não protesto, nada mesmo. Sei que sozinha jamais sairei dali. Com um
braço sempre a amparar-me, ele ajuda-me a percorrer o difícil caminho. Eu mal me aguento me pé, as minhas pernas tremem como varas verdes, tenho fome, sede e dói-me tudo. Andar é um milagre e o estranho é um milagreiro, que me ampara totalmente e me ajuda a sair da gruta, dizendo, vezes sem conta, para ter cuidado, que não
preciso de outro ferimento. Não contesto. Não tenho forças para tal. Desce as
últimas rochas e depois pega-me ao colo para me ajudar.
- Obrigada – digo, o mais educadamente possível, dadas as circunstâncias. Faço tensões de me ir embora mas o corpo falha-me e só não caio porque ele me ajuda.
- Onde é que pensas que vais? Tu nem te consegues manter em pé sozinha.
- Para casa, para onde haveria de ir? – levanto o sobreolho. Não gosto
que me controlem.
- Sozinha? Nem pensar nisso. Tu estás com cara de quem vai desmaiar.
É bem verdade, penso. No
entanto, recuso-me a deixá-lo levar-me a casa. Não gosto que saibam onde moro.
Odeio, de facto.
- Eu já estou bem, deixa estar.
Volto a tentar ir-me embora mas ele não me deixa.
- Ouve, vamos ali àquele café. Eu trato-te dos ferimentos. Talvez seja boa ideia comeres algo, estás com cara de quem não come há algum tempo. Se perguntarem o que aconteceu digo que caíste aqui a brincar nas rochas e…
- Porque é que não dizes que estava dentro de uma gruta?
Ele olha-me, e vejo algo que não entendo muito bem o que seja. O que é isto? Quem é ele e porque se está a preocupar tanto?
- Tenho tanto interesse em manter esta gruta secreta, como tu tens – diz-me,
simplesmente.
Podia ter começado com perguntas, sobre como sabia que eu queria manter a
gruta secreta ou porque é que ele queria manter a gruta secreta, mas de momento
não me sinto com coragem para tal. Eu não tenho forças nem para me suportar, quanto mais para discutir com alguém que nem o nome sei.
- Continuando, levo-te lá ao café e depois levo-te a casa, pode ser?
Penso um bocado. O ardor na mão e pernas, diz-me para ir, bem como o meu estômago, que já está a dar horas. Talvez comer não fosse má ideia. E sentar-me. Isso era excelente.
Penso um bocado. O ardor na mão e pernas, diz-me para ir, bem como o meu estômago, que já está a dar horas. Talvez comer não fosse má ideia. E sentar-me. Isso era excelente.
- Ok está bem. Mas não me levas a casa.
Ele encolhe os ombros e não me responde. Começamos a caminhar para o café. Ou pelo menos, ele começa a caminhar para o café, porque eu, logo que dou um passo, a perna falha-me e só o ombro daquele estranho me ampara.
- Algo me diz que eu vou mesmo levar-te a casa – diz, com um
sorriso trocista.
Suspiro, resignada.