quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O mar é fiel 5*

- Hey, acorda, acorda, por favor, acorda!
Sinto-me toda a abanar, como se alguém me estivesse a sacudir. Tento abrir os olhos, mas as pálpebras teimam em ficarem fechadas. Sinto-as secas, presas. Reviro-os um pouco.
- Por favor, acorda, por favor…
Consigo finalmente abrir os olhos, mas não consigo focar nada. O estranho continua a abanar-me, por isso mal consigo entender o que tenho mesmo à minha frente.
- Ainda bem que acordaste.
Tento concentrar-me e focar-me em algo. E quando consigo, vejo a cara mais bonita que alguma vez vi na minha vida. Os lábios são vermelho vivo, carnudos. O nariz bem desenhado, com sardas a adorná-lo. As sobrancelhas em forma de asa, tão belas, ruivas. E aqueles olhos, castanho cor de mel, afligidos pela preocupação.
- Estás bem? – pergunta, enquanto me ajuda a sentar.
Sinto-me tonta e estico os braços para me segurar não sei bem aonde. Sinto uma mão nas minhas costas e outra no meu ombro, a manter-me estável.
- Sim, sim, acho que estou bem..
- Não pareces, nada mesmo. Tens um enorme hematoma na cabeça e as pernas todas esfoladas. Anda, vamos sair daqui para te levar a um médico e…
- NÃO!
O grito assusta-o e esgota-me as últimas forças que tenho dentro de mim. Agora sim, dou conta da dor de cabeça alucinante que tenho e do sangue a escorrer dos meus arranhões. A minha mãe dói-me imenso, e encosto-a ao peito. Tenho o corpo todo dorido.
- Não vou a médico nenhum.
Ele parece meio atarantado, sem saber se tem confianças suficientes para me obrigar a ir.
- Está bem então – acaba por dizer – mas deixas-me ajudar-te a sair daqui.
Não protesto, nada mesmo. Sei que sozinha jamais sairei dali. Com um braço sempre a amparar-me, ele ajuda-me a percorrer o difícil caminho. Eu mal me aguento me pé, as minhas pernas tremem como varas verdes, tenho fome, sede e dói-me tudo. Andar é um milagre e o estranho é um milagreiro, que me ampara totalmente e me ajuda a sair da gruta, dizendo, vezes sem conta, para ter cuidado, que não preciso de outro ferimento. Não contesto. Não tenho forças para tal. Desce as últimas rochas e depois pega-me ao colo para me ajudar.
- Obrigada – digo, o mais educadamente possível, dadas as circunstâncias. Faço tensões de me ir embora mas o corpo falha-me e só não caio porque ele me ajuda.
- Onde é que pensas que vais? Tu nem te consegues manter em pé sozinha.
- Para casa, para onde haveria de ir? – levanto o sobreolho. Não gosto que me controlem.
- Sozinha? Nem pensar nisso. Tu estás com cara de quem vai desmaiar. 
É bem verdade, penso. No entanto, recuso-me a deixá-lo levar-me a casa. Não gosto que saibam onde moro. Odeio, de facto.
- Eu já estou bem, deixa estar.
Volto a tentar ir-me embora mas ele não me deixa.
- Ouve, vamos ali àquele café. Eu trato-te dos ferimentos. Talvez seja boa ideia comeres algo, estás com cara de quem não come há algum tempo. Se perguntarem o que aconteceu digo que caíste aqui a brincar nas rochas e…
- Porque é que não dizes que estava dentro de uma gruta?
Ele olha-me, e vejo algo que não entendo muito bem o que seja. O que é isto? Quem é ele e porque se está a preocupar tanto?
- Tenho tanto interesse em manter esta gruta secreta, como tu tens – diz-me, simplesmente.
Podia ter começado com perguntas, sobre como sabia que eu queria manter a gruta secreta ou porque é que ele queria manter a gruta secreta, mas de momento não me sinto com coragem para tal. Eu não tenho forças nem para me suportar, quanto mais para discutir com alguém que nem o nome sei. 
- Continuando, levo-te lá ao café e depois levo-te a casa, pode ser?
Penso um bocado. O ardor na mão e pernas, diz-me para ir, bem como o meu estômago, que já está a dar horas. Talvez comer não fosse má ideia. E sentar-me. Isso era excelente. 
- Ok está bem. Mas não me levas a casa.
Ele encolhe os ombros e não me responde. Começamos a caminhar para o café. Ou pelo menos, ele começa a caminhar para o café, porque eu, logo que dou um passo, a perna falha-me e só o ombro daquele estranho me ampara. 
- Algo me diz que eu vou mesmo levar-te a casa – diz, com um sorriso trocista.
Suspiro, resignada.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Vai doer

Vai doer veres aquela pessoa que amas, com outro alguém. Vai mesmo. Vai doer veres a tua melhor amiga chamar isso a outra rapariga, vai doer o facto de ela lhe dizer as mesmas coisas que te dizia, o facto de lhe prometer um sempre, o vosso sempre. Vai doer veres aquele menino de quem tanto gostavas, agarrar outra. Ver aquele sorriso que era teu, ser de outra pessoa. Vai doer. Muito. Tu sabes que sim. Sabes que vai doer veres aquela menina ser consolada por outro rapaz e quereres estar no lugar dele. Dar-lhe aquele colinho especial, sussurrar-lhe ao ouvido, acalmá-la, beijar-lhe os cabelos, enquanto ela te agarra, perdida. Vai-te magoar. Tu sabes que sim. É algo que não mata, mas corrói por dentro, deixa tudo de pernas para o ar, que te deixa desamparado. Não o nego. Vais chorar, muito. Ver aquela tua 'irmã', ir embora, aquela rapariga com quem desabafavas tudo, vê-la partir, ficares sem saber quando volta, se volta. Vai-te ferir, ver o teu 'irmão' seguir um caminho diferente do teu, olhar para trás, ver a estrada que percorreram, as montanhas que enfrentaram, os vales que atravessaram. Vai doer. Mais uma vez, vai. Fazerem-te sentir especial e depois irem embora. Deixarem-te. Eu sei e tu também sabes, que te vais sentir desesperado/a. Mas acredita, nem tudo será mau. Primeiro dói, mas a dor acaba por passar sabias? E quando não passa, aprenderás a viver com ela. Quando menos esperares, vais acordar e essa dor já não vai estar lá. Vais sair de casa e sorrir. Sabes que sim e eu também sei. Quando deres por ti, terás uma melhor amiga, que fará o teu dia valer a pena. Terás um menino, o teu menino, a agarrar-te, a sorrir para ti, só para ti. Vais ter uma menina que vai precisar de ti e tu vais consolá-la, vais lhe dar colo, murmurar-lhe coisas ao ouvido, transmitir-lhe uma enorme calma, vais lhe dar beijinhos enquanto ela te agarra. Vais ver o teu mundo seguro de novo, cada coisa no seu lugar. Vais reconquistar a tua 'irmã' ou o teu 'irmão'. Mas confia em mim, vais sempre sentir saudades. Sempre. Do que aconteceu e do que poderia ter acontecido. É normal. Vais te perguntar 'e se..?'. Porém, isso não quer dizer que não gostes da pessoa com quem estás, isso mostra que a pessoa como quem estiveste te marcou. Há mal nisso? Não, não há. Isso mostra que apesar de tudo, tens sentimentos. És feito/a de carne, que se fere, sangra, magoa, dói, corrói e cicatriza. É normal. Não te assustes. Sê forte.