terça-feira, 25 de setembro de 2012

Poço

Está tão escuro, tão cinzento, tão sombrio. Olho lá para o fundo, primeiro a medo. É assustadora, a vista de cima. Sei que é perigoso, posso cair, nem sei a altura que tem, mas não consigo evitar, a curiosidade é tão grande que não consigo resistir-lhe. Respiro fundo e concentro-me, tentando notar algo que não seja a cor preta. Não sei o que esperava. Água, talvez. Sim, esperava isso. Afinal, o que é um poço sem água? Não faz sentido. Afasto-me do muro e procuro uma pedra, grande. Está tanto nevoeiro, mal consigo ver um palmo à minha frente. Ajoelho-me, encontrá-la. Costumavam haver ali tantas, porque é que já não existem? Realmente, aquele sítio mudara muito desde os tempos em que ia ali. Não interessava. Pedras eram pedras, não se iam simplesmente embora. Tem de haver ali uma.
Não sei quanto tempo passo ali, de joelhos, a tentar ver algo, a tentar encontrar aquela pedra que não quer aparecer. Procuro, procuro e finalmente encontro. É grande, vá, talvez média e pesada, tal como eu queria. Vou de novo para junto do lago e largo-a, deixando-a cair no vazio. Debruço-me, até ficar com a cabeça totalmente dentro dos muros do poço. As minhas mãos agarram-se às bordas, procurando estabilidade. Espero, espero e espero até que oiço um 'ploc' a avisar que a pedra já se encontra lá em baixo, em água. Que distância, meu Deus. Quanta água haverá lá em baixo? Será muita? Maior do que a altura da pedra é, de certeza, pois amparou a sua queda. Ampararia a queda de um ser humano? Teria altura suficiente para tal? Quem me dera saber. 
Tento sair, mas o pé escorrega-me na lama e tenho de me agarrar com força ao muro. Aleijo os dedos ao raspá-los no muro, arranho-os. O meu coração dispara. Respiro fundo e tento acalmar-me. Tento sair outra vez, com calma, mas o pé falha-me, e desta vez, as mãos não aguentam o peso e eu sinto-me a cair. A minha cara bate nas paredes do poço, os pés procuram desesperadamente um apoio, os dedos buscam tijolos saídos do muro para se agarrarem, mas só encontram musgo e plantas que se partem ao toque. O meu corpo tenta encontrar estabilidade, equilíbrio. Vou embatendo em fios, quanto mais deixo, mais chegados e próximos são. Continuo a cair, a cair e a cair, o que me parece ser uma eternidade. Os pulmões sentem necessidade de respirar e quando o faço noto o odor do ar, a pobre, bafiento. Quando dou por mim, estou  dentro de água. 
Uma água oleosa, nojenta. Bato os pés e venho à tona, inspirando profundamente, deixando aquele ar sujo entrar dentro de mim. Tusso, pois tenho algo na garganta. Não quero saber o que é, tenho nojo só de pensar nisso. Olho para cima e vejo um ponto, um único ponto de luz, lá em cima de tudo, bem lá ao fundo. Tento olhar em volta, mas não consigo ver nada. Não entendo se isso é bom ou mau. O pavor invade-me e sinto o estômago às voltas. ''AJUDA'', grito mas ninguém me ouve. Quem estará ali, àquela altura, naquele sítio? Ninguém, só uma louca. É isso mesmo, uma louca como eu, que agora está presa num poço. 
A minha mente começa a pensar em baratas, lagartos, sanguessugas e outros animais que possam viver ali, o que só aumenta o meu terror. Bato as pernas e agito os braços, freneticamente, agindo por medo, por pânico. Agito a água toda e grito, berro até. Tento normalizar a respiração mas não consigo. Ninguém está ali, para me acudir, ninguém está ali para me ajudar, para me ouvir. Ninguém. Estou sozinha. Quanto tempo aguentarei aqui? O meu corpo ficará cansado, começarei a ficar com cãibras, vou ficar com fome e sede. Começo a sentir coisas nas minhas pernas, no meu corpo. Estou a chorar, as lágrimas escorrem-me enquanto a minha mente procura furiosamente uma saída, mas não há. Tento escalar a parede, mas esta está húmida, não há pedras saídas, não há nada. 
E como uma criança que acaba de nascer, berro a plenos pulmões.

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