terça-feira, 5 de agosto de 2014

4*

A campainha tocou. Rui pegou nos livros, meteu-os dentro da mochila e saiu da sala. Sem se aperceber, Sara seguiu-o. À sua volta instalou-se a confusão; era sexta-feira pelo que o entusiasmo do fim-de-semana pairava no ar. Miúdos a correr de um lado para o outro, portas do cacifo a bater, risos e conversas sob conversas inundavam os corredores. Rui, contudo, não conseguia partilhar daquela felicidade.
Desceu as escadas e apressou-se a chegar ao portão. Já ia a meio da rua quando Sara lhe puxou pelo braço. Ele parou e olhou para trás.
- O teu olho melhorou.. - começou ela.
- Sim - respondeu secamente, talvez até mais do que pretendia. Tentou retomar caminho, mas ela barrou-lhe a passagem.
- Desculpa - apressou-se a dizer - não toco mais no assunto.
Ele permaneceu em silêncio.
- Estava a pensar, ainda é cedo, não queres ir dar uma volta antes de ir para casa?
Estaria a ouvir bem? Uma vozinha dentro de si dizia que aquilo era, de certa, uma brincadeira. Rui não lhe respondeu.
- Então? Queres ou não queres? - insistiu ela.
Queria. E não queria. Nunca tinha tido companhia fosse para o que fosse depois das aulas. Mesmo nos trabalhos de grupo limitavam-se a dar-lhe qualquer coisa para a fazer e entregar depois. Uma partezinha de si queria dizer que sim mas outra, demasiado grande, demasiado imponente, queria dizer que não. Sem pensar, sequer, as palavras saíram-lhe da boca:
- Tenho demasiados trabalhos de casa e estava a pensar em pô-los em dia...
Ao contrário do que julgara, ela não se deixou ficar.
- Uau, tenho imensa pontaria - disse - decidi convidar-te logo no dia em que planeaste começar a ser bom aluno.
Ele notou-lhe o sarcasmo na voz e não conseguiu impedir o sorriso que se formou nos seus lábios.
- Isso é um sim? - perguntou Sara.
- Acho que sim..
- Excelente.
Ela deu meia volta e começou a andar. Ele apressou-se a segui-la. Enquanto andavam, Rui observou-a. Não era baixa, mas também não era alta: ficar-lhe-ia mais ou menos pelo nariz. Mesmo com roupas de inverno ele conseguia notar-lhe as curvas do corpo. Não era exageradamente magra mas também não era gorda. ''Era o termo perfeito'', pensou ele. O cabelo castanho claro dava-lhe pelo meio das costas mas se ela o alisasse provavelmente chegaria ao fundo; ainda assim estava cuidado, e não se via pontas espigadas nem sinais de desgaste. O seu andar era delicado e se ele não a estivesse a ver não diria que ela estava ali.
Sara voltou-se de repente.
- Tu não gostas lá muito de falar, pois não?
Aquilo surpreendeu-o.
- Depende. Mas não, por norma não.
- É pena - disse ela e continuou a andar.
- Porquê? - inquiriu ele, desta vez caminhando a seu lado.
Sara encolheu os ombros:
- Pareces ser alguém com quem se pode conversar.
- Nem por isso.
- Tenho a certeza que és.
- Se eu fosse a ti não tinha.
- Infelizmente, para ti, não sou, não é? - ela olhou para ele e dirigiu-lhe o maior dos sorrisos.
Ele não lhe respondeu e por uns momentos ninguém falou. Chegaram a um pequeno parque e sentaram-se num banco. A tarde era tudo menos convidativa a espaços abertos e por isso o local estava vazio. Sara estremeceu com um arrepio. Apesar de quase conseguir adivinhar a resposta, Rui perguntou-lhe:
- Estás com frio?
- Não - respondeu-lhe ela. Porém, aconchegou melhor o casaco em volta do corpo.
Ele perguntou a si mesmo se devia fazer algo para a aquecer, talvez abraçá-la, contudo esta ideia paralisou-o e portanto acabou por não fazer nada.
- Já tinhas vindo aqui?
- Não - admitiu ele - costumo ir para sítios mais distantes.
- Talvez um dia possamos ir a um desses sítios.
- Tens a certeza que queres ir comigo seja onde for?
- Bem, estou aqui ou não?
Novamente, ele deixou a pergunta sem resposta. Aquilo parecia-lhe irreal e ele não sabia o que lhe dizer.
- Tens razão, eu tenho frio - disse Sara e sem qualquer tipo de aviso, aninhou-se encostada a ele.
Se tivesse sido há uns anos atrás, ele provavelmente ter-se-ia afastado. Se fosse outra pessoa, já teria saído dali para fora. Mas não era há uns anos atrás e não era outra pessoa. Era naquele momento e era Sara e por isso, mesmo sem pensar, ele abraçou-a. Não sabia se ela notara como tremia ou quão acelerada a sua pulsação estava mas se tinha não disse nem fez nada.

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