domingo, 30 de setembro de 2012

O mar é fiel 12*

Deixo a minha mala cair na areia. Enquanto corro, tiro os ténis, atiro as meias, dispo a camisola, a t-shirt, as calças e lanço-me para o mar gelado. Ele está em fúria, tal como eu. Como se sentisse a minha revolta, como se senti-se a minha dor, como se fosse dominado pelos meus sentimentos. Venho à tona, para recuperar o ar mas uma onda bate-me em cheio na cabeça, fazendo-me engolir imensa água. Tento vir outra vez à tona, mas outra onda embate-me de novo. Os pulmões ardem-me, ansiando por algum ar. Frederico. Tento nadar para fora da zona onde as ondas rebentam, ignorando a dor no meu peito, a necessidade desesperante de ar. Cãibras. Os meus braços estão entorpecidos, a água estão tão gelada, parece que estou rodeado de cubos de gelo. 
Tento vir à tona. Tento, não, consigo. Respiro o ar gelado da praia, sentido um grande ardor na garganta, como se estivesse a respirar aço. Bato os pés freneticamente, para me manter na superfície. O ar completa-me os pulmões e depois sai para a atmosfera. Sinto o meu nariz congelado. Ignoro a dor. Levo um pouco de tempo a entender que está a chover. Tempestade, é isso que vai ser esta noite, uma enorme tempestade. Frederico. A água da chuva, do mar e do choro misturam-se na minha cara, toldam-me a vista. Vou ao fundo. Nado, não sei para onde, só sei que agito as mãos, os pés, os braços, as pernas. Quero deixar aquela raiva, aquela dor. Ela não merece, ela não merece. Ela é tua mãe. Ela não quer saber de mim. Ela quer-te proteger. Ela não se importa comigo. Ela ama-te. Ela não sabe o que é o amor porra. Enganaste. 
Os pulmões imploram por ar, mas eu não consigo vir à tona. As minhas pernas recusam-se a bater, já não aguentam. Não consigo estar quieta no mesmo sítio, a corrente é demasiado forte. Tento olhar em volta mas os olhos ardem-me por causa do sal. Tento desesperadamente ir à superfície. Os meus pulmões dói-em, uma dor lancinante. Mexo as mãos e consigo finalmente inspirar. Nevoeiro. Frederico. Não vejo a costa, não vejo as rochas, não vejo nada para além daquele imenso mar, onde me perdi. Tu és fiel, por favor, por favor, tu és fiel! Se calhar é isto mesmo que ele quer, que eu vá com ele. Se calhar quer que eu deixe de lutar, que eu pare, pura e simplesmente, de viver. Frederico. Não posso. Frederico. Precisa de mim. Frederico. Ele precisa de mim. Frederico. Não o posso deixar.
- LUA? ONDE ESTÁS, LUA?
FREDERICO. O ardor da garganta impede-me de gritar, por isso tento seguir o som. Frederico. Frederico. Frederico. Onde estás? Por favor. Tem calma, ele vai conseguir chegar a ti. 
- LUAAAAAA ?
Estou aqui... 
Sinto um braço a agarrar-me a cintura e uma voz ao meu ouvido.
- Deixa-te levar, vem comigo.
Agarra-me e vou com ele, demasiado fraca para contestar. Sabe-se lá como, ele consegue levar-nos por entre as ondas, até à areia. A tossir e agarrada a ele, sento-me não areia. 
- Que estavas a fazer? DIZ-ME? Queres morrer? É disso que se trata?
Não sei se ele sabe que está a gritar, mas aquele som assusta-me, mais do que aquilo que já estou.  Encolho-me, agarrada à barriga. Não lhe consigo responder, tenho desesperadamente controlar a respiração, mas o ar é tão pesado, tão frio, tão desagradável que os meus pulmões gritam de dor. Estou gelada até aos ossos e noto, pela primeira vez, que estou em roupa interior. Ele também deve ter notado, pois vai-me buscar a minha camisola e veste-ma, como todo o cuidado. Depois disso, ajoelha-se à minha frente e noto que ele está a chorar. Agarra-me nas mãos e olha-me bem nos olhos.
- Nunca mais faças isso, por favor, eu preciso de ti.

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