quinta-feira, 21 de março de 2013

Tenho 16 anos e (...)

Já passou quase um ano. Um ano desde o acidente. Um ano em hospitais, fisioterapeutas, operações, exames e medo. Eu sei que ele o tem. Mesmo passado tanto tempo afastados, continua a conhecê-lo melhor do que ninguém. Ele mostra-se forte, mas eu sei que está assusta. A probabilidade de não voltar a andar, de não voltar a correr, de perder a sua autonomia, assustam-no de morte. E por mais que ele se esforce por escondê-lo, não consegue. Pelo menos, não de mim. 
Não arrisco deixá-lo sozinho. Mal a escola acaba, apanho o comboio e vou ter com ele. Perdemos tanto tempo, não quero perdê-lo de novo. Não agora. A pouco e pouco vamos recuperando o que tínhamos. Descobri que ele faz parte da equipa de basquetebol da escola, que é aluno de notas altas e outras coisas banais. De resto, nada tinha mudado. A sua comida favorita, a sua bebida predilecta, o gosto musical, até a forma de se vestir continua a mesma. Ele podia ter crescido, e muito, mas o seu interior continua o mesmo. Brincalhão, bom ouvinte. Nada tinha mudado. 
- Olivia?
- Sim? - estamos em casa dele; esta sim, tinha mudado e muito desde a última vez que aqui estive.
- E.. namorados? Houve algum?
A maneira como ele cora a fazer esta pergunta faz-me a mim corar, apesar de nunca ter havido nada disso.
- Não, nunca.
- A sério? - ele parece surpreendido.
- Sim. E tu?
- Uma ou outra, nada demais.
O meu coração sentiu um baque e depois um alivio. Nada demais.
- Se eu deixar de andar..
- Sim?
- Vais-te embora?
Aquilo sim, surpreende-me.
- Porque é que perguntas isso?
- Ninguém gosta de namorar com um inválido.
- Isso depende de quem é o 'inválido'.
Ganho a coragem que preciso. Aproximo-me dele, até os nossos lábios se tocarem e ele retribui o beijo. Por isto, valeu a pena esperar. 

Fim.

domingo, 3 de março de 2013

O mar é fiel 23*

Parte de mim acredita que, se algum dia conseguisse abrir todo o meu coração para lho mostrar, ele iria ficar abismado. Abismado com o tamanho do sentimento que carrego comigo, com a sua intensidade. Até a mim, por vezes, assusta. Gostava de lho poder mostrar. Como se acende um fogo, quando ele me beija explosivamente, para depois acalmar, fazendo o meu coração parar. Se ele soubesse..
- Assim não consigo estudar - sussurro, por entre beijos.
- Distraio-te? 
Imenso. 
Ele afasta-se, ficando a uma mesa de trabalho de distância.
- Se chumbar nos exames, a culpa é tua. 
- Depois fico de castigo, é?
- Ficas - olho para ele e ele mostra-se amuado - vais fazer birra, é? 
- Vou. 
- Está bem.
Fica um silêncio entre nós, enquanto prossigo os estudo. A faculdade é esgotante e, depois de tudo o que se tinha passado, por vezes é tentadora. Era difícil resistir a coisas a que tinha que dizer 'não'. Por nós, estou a fazer um esforço. E sei que ele também. Quando há alguma festa que eu quero mesmo ir, ele não faz finca pé. Em troca, tinha de ter juízo. Era justo. Por vezes chego um pouco menos sóbria. Quando assim o é, ele lá me guia até adormecer e no dia seguinte, tem a paciência de um santo contra o meu mau-humor. Depois disso, tento recompensá-lo. Apesar de tudo, estamos bem, e poder dizer isto, é o que me deixa mais feliz.
- Tens fome? - pergunta, enchendo a sala com algo mais do que o silêncio.
- Por acaso tenho - olho para o relógio: 5h48; já estou a estudar à imenso tempo.
- Vou preparar um mega lanche então - levanta-se e dá-me um beijo no alto da cabeça ao passar por mim; tenho de admitir que ele tem paciência: fica horas a ver-me estudar, sem fazer qualquer barulho.
Já basta de estudo, por hoje. Fecho os cadernos e livros e arrumo os lápis e canetas no estojo. Levanto-me e enquanto me espreguiço, olho ao meu redor. A divisão está completamente desarrumada. Apanho a roupa do chão e ponho-a no cesto da roupa suja, faço a cama, arrumo os sapatos debaixo desta e a roupa limpa no armário. Dou um jeito às mesinhas de cabeceira e ao móvel da televisão e ajeito o tapete. Agora, o quarto/sala parece outro. Vou para a cozinha. O Frederico está de costas, voltado para a bancada, e eu abraço-o por trás. 
- Bastou sair de lá, para vires atrás de mim - graceja.
- Convencido - fecho os olhos e inspiro o seu cheiro - que estás a fazer?
- Tostas - ele vira-se e agarra-me pela cintura - e chocolate quente.
- Hmm..
Beijo-o e ele retribui o beijo. O problema de começar, é que é difícil - muito difícil - parar. É o bip da tostadeira que nos pára. Preparamos um tabuleiro com as tostas, o chocolate quente e compota e vamos  para cima da cama. Barro uma tosta com o doce de morango e trinco-a, com noção da fome que tinha. Comemos por entre risos e quando fico com os lábios sujos do chocolate quente, ele limpa-os com um beijo. Ao acabarmos, lavamos a arrumamos a loiça.
- Vamos dar um passeio - sugere.
- A esta hora? Está frio - o que é bem verdade, se a casa está fria, a rua deve estar ainda pior.
- Sim, vá lá, vamos.
- Mas está frio - ele faz beicinho o que torna difícil resistir-lhe - está bem, vamos.
- Yeeees - sufoca-me num abraço. Num instante visto umas leggins limpas, um camisola de gola alta e outra de lã, juntamente com umas botas. Ele veste-se com umas calças de ganga, uma camisola de malha e um casaco. Pego numa mala, ponho lá dentro as chaves, carteira e telemóvel e saímos. Somos logo atacados pelo are gelado e eu encosto-me mais ao Frederico, para conservar o que resta do meu calor. Caminhamos à beira mar e passamos por várias pescadores acabados de vir do mar, bem como algumas crianças com os pais, prontos a comprar peixe fresco.
- Ele está-se a mexer! - grita um rapazinho no colo do pai, a olhar para dentro do barco.
Sorrio, ao lembrar-me de como eu ficava assim quando era mais pequena e ia ali com o meu pai. Eu adorava a sensação. 
Continuamos a andar, até chegarmos à gruta. Há já muito tempo que não entrávamos ali.
- Queres ir lá dentro? - pergunto-
- Não me apetece muito - confessa - e a ti?
- Também não - abraço-o e observo o mar, quando tenho um ideia - vamos nadar.
- Estás louca.
Afasto-me dele e começo a tirar as camisolas.
- Por favor, diz-me que não estás a falar a sério - descalço-me e começo a tirar as leggins - ainda à bocado estavas gelado, Lua.
- Mas agora já não estou. Vens? 
- Não, está frio e a água deve estar ainda pior.
- Fraquinho - dirijo-me para o mar e começo a sentir as gotas nos pés; ainda tenho que andar um bom bocado antes de conseguir mergulhar, mas quando consigo, atiro-me para dento de água. Adoro esta sensação: não tenho frio, não perco o fôlego, não tenho medo. Estou onde preciso de estar, quando preciso de estar. 
- Lá vai bomba- oiço, quando venho à tona; oiço um splash e pouco depois vejo a cabeça do Frederico a emergir - e agora, que é o fraco? 
- Tu, és - provoco.
Ele agarra-me, encostando-me a si. Vejo-o morder o lábio e isso tem o poder de me arrepiar mais do que o frio desta tarde.
- És louca, sabes? 
- Ouvi dizer.